sábado, 28 de novembro de 2009

...felizardo

Quão feliz não é um felizardo. Pode parecer redundância, mas na terra em que Feliciano passa fome, qualquer esclarecimento não é mera repetição. Falo de felicidade pelo dia de hoje. Sabes que notícia ruim chega logo. Venho te contar que a notícia boa, porém, tem de ser buscada. Tens que ir, perseguir. Não só procurar a notícia, mas fazer com que ela aconteça.
Ouvi de uma estrela uma vez, que tudo na vida é um eterno plantar e colher. Você vai colhendo o que vai plantando. Coisas boas. Coisas ruins. Já percebeu que nenhuma plantação nasce da noite para o dia? Pois é.
Mas, às vezes, o cotidiano lhe absorve de tal forma que você esquece que plantou – ou está plantando, essas conjugações geram tantas interpretações – e, de repente, se depara com uma bela e grandiosa plantação, daquelas de encher os olhos e calar a boca. Nenhuma palavra se faz necessária.
E foi felicidade. Uma grande felicidade. A felicidade de saber que chegamos – sim, no plural! Porque o terceiro do plural é sempre mais forte – a um ponto inimaginável anteriormente. Nem eu, nem tu, nem o mundo cogitava essa possibilidade. Mas aconteceu – apesar de “aconteceu” não ser a melhor palavra para se materializar o que estou pensando. Ah, deixemos de lado o meu pensar, caro Felizardo.
Só me resta calar. Barriga vazia, sorriso no rosto.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

...um homem também chora

Queria eu poder escrever toda vida que os pensamentos vibrassem em minha mente. A maioria dos que vibram não passam de impulsos nervosos que por aqui dentro se perdem. Mas vagando por estes sertões e reencontrando os amigos que lá deixei, torno a conhecer muitas histórias; histórias que merecem ganhar vida; histórias que merecem ser analisadas – e não serem apenas mais um daqueles impulsos.
Dia desses, um sertanejo amigo meu me disse que já havia sido atendente de uma grande empresa. Tinha de fazer cobranças, papel chato. O mais estranho ali era justamente um sertanejo “operador de telemarketing” - como chamam na capital. E foi isto que me fez criar atenção, sentar e escutar o que estava por vir.
Meu amigo me contou diversas situações engraçadas. Chorei de rir. A barriga já doía. Naquele momento, pensei que ser esse tal atendente pudesse até ser a profissão mais divertida do mundo. Pensei também que havia encontrado a resposta para a tão perturbadora questão do vestibular. Meu futuro estava definido!
Mas não podia afirmar isso. Não tão cedo. Pela primeira vez me colocava no papel oposto ao que sempre estive. Já sabia como era inconveniente receber ligações de cobranças – sei das minhas dívidas! - e conhecia a forma robótica como esses atendentes se comportam. Mas naquele dia eu estava descobrindo a ligação da perspectiva de quem diariamente discava os números atrás do pagamento de alguns boletos.
Escutar o colega foi como ouvir a leitura de um livro de crônicas de uma só vez. Uma das histórias me interessou mais. Nesta, meu amigo contou que certa vez teve de cobrar uma senhora já de idade. Ligou para sua casa e avisaram que ela não estava. Bom, não estar em casa é algo supernormal. Mas quem atendeu tratou de justificar: ela tinha ido ao velório de seu filho. É nesse ponto que o chão do tão robótico atendente desabou. Como cobrar alguém que havia acabado de enterrar o próprio filho?
Meu amigo teve de ligar novamente outro dia. Era essa sua função. Respirou fundo e sentiu do outro lado uma voz mansa atender ao telefone. Era a senhora que ele deveria cobrar. Bastou se identificar como funcionário da empresa credora para a senhora começar a falar. Ela havia recebido o recado da ligação anterior e repetiu a justificativa de que estava no velório. E disse que ninguém poderia imaginar a dor que ela estava sentindo; a pior dor que poderia existir no mundo: perder um filho. Enterrar um filho, ainda com tanto para viver. Como pensar em alguma outra coisa? E se desculpou. Desculpou-se muito.
Do outro lado, não mais um robô falava, mas sim um homem chorava. Porque atendentes de telemarketing também são gentes, por mais incrível que possa parecer.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

...a incansável mesmisse do ser

Os pássaros cantam do mesmo jeito. E isso me incomoda. Incomoda-me o fato de o dia nascer como tantos outros. O sol parece não se importar: nasce, sobe, se põe. E não é para ser a mesma coisa.
Falta algo que ontem estava aqui e hoje não está mais. Alguns aqui percebem isso. Mas a grande maioria não. Para a grande maioria nada aconteceu e tudo permanece normal. Normal demais para ser verdade.
Seria insensibilidade? Seria conformismo? Ou seriam esses novos analgésicos à venda que prometem aliviar quase tudo? Tenho vontade de sacudir o mundo e mostrar que mudou. Mudou. E nós não vamos reagir a isso?
E enquanto passo meu tempo aqui, escrevendo incomodada – porque, sim, sou muito incomodada -, as crianças estão ali a jogar cartas, a rir e se divertir. As pessoas continuam a ouvir música, conversar, passar o tempo.
Nada mudou, é o que tenho que aceitar.