domingo, 19 de abril de 2009

...tá de mal comigo

O que eu fiz? Fiz algo tão sério a ponto de o mundo passar a ser estranho comigo?! Sim, porque de uns tempos para cá esse mundo – ou seria só o meu mundo? – passou a agir estranhamente. Os lugares de antes vão sendo transformados para que eu não os reconheça; as lembranças vão sumindo para que eu deixe de assemelhar o passado com o presente; as pessoas conhecidas vão mudando a ponto de se tornarem estranhas para mim.
Mundo estranho. Mundo esquisito. Parece estar em ebulição, com movimentos que fazem os presentes ficarem ausentes e sempre trazendo água nova para o meio. Será que devo me permitir isso? Seria uma renovação? Será que a estranheza deste mundo é um sinal de que as coisas estão, vão e devem mudar?
Sujeitinhos me chegam fazendo rever conceitos. Questionando minhas arrogantes verdades e ferindo meu orgulho. Fazem-me confrontar o espelho e me perguntar sobre o certo e o errado. Mostram os meus defeitos e atingem meu ego. “Quem são eles? Quem eles pensam que são?”. Isso são as mudanças chegando? Pensei que fosse pegá-las no aeroporto, com calma e receptividade; mas não. Chegam de pára-quedas, ou melhor, caem. Caem e explodem. E nem para mandar um telegrama avisando com antecedência.
Seria uma conspiração? Não posso crer que o movimento natural das coisas seja... este! Por que ousaram dizer que “tudo passa, tudo passará”? Me vejo em um corredor e, à medida que vou andando, as portas vão se fechando independente da minha vontade. Quero domar meu presente; quero poder determinar quando o mundo será estranho a mim. Quero poder abrir e fechar quantas e quais portas eu quiser.
Chega! E por mais que eu diga que as coisas vão acontecer naturalmente e que raciocinar sobre isso só causa mais sofrimento e confusão, é inevitável pensar. Ou o mundo quer que eu me sinta uma intrusa ou ele exige renovação.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

...quem não tem cão, caça com gato

Há dias aquela parede já ameaçava cair. Estava cheia de rachaduras e buracos por onde a água da chuva penetrava. Os homens ainda faziam questão de nela se encostar. Se fosse na minha casa eu não estaria vigiando-a, consertaria logo. Mas não era. Era a parede da única cela da única delegacia da cidade, que estava sendo observada o dia todo pelo único guarda de plantão.
Sendo uma delegacia – rachada –, eram necessários vários homens para os serviços rotineiros. O único militar que havia também não era um Rambo a ponto de compensar todos os outros policiais ausentes. Mas tentava desempenhar sua função corretamente, sempre atento para que a parede não caísse e os presos fugissem.
Os presos dali também não pareciam muito motivados a fugir. Para este feito não seria necessário nem arquitetar um plano, apenas empurrar aquela desfigurada parede. Mas quem seria o louco de fugir tendo ali casa, comida e roupa lavada? Sem o mínimo esforço. Quase um lar.
Depois de uma forte chuva que atravessou a madrugada, a parede começou a esfarelar lentamente. De manhã, ainda tomando o seu pingado, o guarda notou o que estava acontecendo. Entrou em desespero. Sua reação fez surgir um debate entre os presos sobre o que deveria ser feito. A cada nova sugestão, a parede ia sendo preenchida: fita adesiva, fita gomada, grampo... Não adiantava e todos ainda se admiravam por fracassarem nas idéias.
Como que por um ato de sorte – muitos chamarão de providência divina – o delegado chegou à delegacia para sua visita semanal. O policial, ainda preocupado, expôs para seu superior a situação da parede e foi surpreendido por uma demonstração de grande inteligência, entendendo porque o outro é o chefe dali:
- Usa uma Super Bonder aí!