domingo, 29 de março de 2009

...do latim solitate

Tenho saudades. Mas não é qualquer saudade. Estou com saudade do que não passou, do que não vivi. Não que eu tenha me arrependido do meu passado, mas me bateu uma saudade das outras possibilidades que não escolhi. Às vezes, me vem nítidas as imagens do passado que não aconteceu.
Saudade do abraço não dado, do encontro não marcado, da viagem não feita. Sei que várias coisas poderiam ter acontecido. Um beijo, uma risada, uma ligação. Também tenho saudades disso. Saudade das amigas que não vejo e também das que vejo com o pé na universidade; das saídas em que nada de útil é falado; saudade de quando a palavra era inocente, de quando as ações não machucavam.
Saudade do tempo que eu passei sentindo saudade. Porque hoje o tempo voa. E faz-me sentir saudade. Inclusive da época em que ele não voava, que os dias não corriam. De quando o dia dava para o estudo, para o jogo na rua, a conversa na calçada, o jantar com a família. Das manhãs longas, das tardes produtivas, das noites curtidas.
Livros não lidos, textos não escritos, piadas não contadas e o silêncio não respeitado. De tudo isso tenho saudade. Porque eu queria sempre mais para querer menos. Mais coisas, menos saudades.
O que me conforta é saber que ainda tenho espaço, corpo, tempo e algum modo de... viver. Viver para fazer e não fazer as coisas. Viver com saudade, mas não viver para a saudade.

sexta-feira, 20 de março de 2009

...cerejeira em flor - de pedaços

Hoje, fui comer um sonho, daqueles de padaria, quando vejo que por cima há uma cereja! Bem, não era uma cereja toda, mas um quarto ou um quinto de cereja. Não parecia que ela estava ali para decorar o doce, mas que tinha caído ao acaso. Um pequeno detalhe que me fez parar para pensar – e não mais comer.
Fiquei pensando que não se fazem mais doces e bolos como antigamente. Lembro de quando estas cerejas – sim, no plural! - eram desprezadas pelos convidados da festa. Depois de partido o bolo, ficavam lá, de bobeira, alguns pontos vermelhos. Eram oito, dez. Tanta cereja que dava pra enjoar.
O tempo vai passando e as pessoas economizando no que se vai vender ou oferecer ao outro. Além de ficarem restritas, as cerejas ainda são meticulosamente divididas e posicionadas. Não por uma preocupação real de quem as coloca, mas por uma necessidade de maximizar os resultados – “ordem do patrão”, como o padeiro disse.
Se vieres me dizer que isso foi uma estratégia publicitária de ordem internacional para uma valorização da cereja, me desculpe, mas não irei acreditar. É fato que nasceram disputas pela única – metade de - cereja que enfeita a torta destes tempos modernos. Mas isso foi uma consequência impensada.
Tenho quase certeza de que as vermelhinhas estão sendo cada vez mais isoladas para evitar uma possível manifestação conjunta. Pensemos bem: sem as aparições grupais elas vão perdendo a força e são mais facilmente engolidas por, literalmente, qualquer um.
O patrão pensa nas estratégias de dispersão das cerejas, o empregado obedece alienadamente. E as vermelhinhas vão sumindo.

quarta-feira, 4 de março de 2009

...teoria da ilusão

O ser humano tem a mania de criar teorias bizarras para se iludir de algo. Utilizando as faculdades mentais, é ridiculamente óbvio perceber o quanto injustificável é a idéia, mas mesmo assim investimos nessa ilusão.
Um exemplo bem simples do que estou a falar: o bombom cai no chão, você apanha e – para não enfrentar a dura realidade de perder aquele último piper que você, por acaso, achou no canto da bolsa – grita “5 segundos”! Sinceramente, o que diabos as pessoas pensam? “Não, os germes não são rápidos o suficiente para subir na comida em menos de 5 segundos”? Acho que não.
Tudo isso parte da necessidade de afirmar para si mesmo que as coisas são como nós queremos que elas sejam.
Todo final de ano, entramos naquele clima de “marcas do que se foi”. Momento de pensar no que foi feito e jurar que no outro ano várias coisas serão diferentes. Aquela contagem regressiva se aproximando e a sensação de estar adentrando um mundo novo. Um novo ano, uma nova vida. Tudo não passa de sensação.
Convenhamos, a rotina começa e os dias de 98 são iguais os de 99 e toda aquela visão de novo ano é levada pela mesma correria do ano velho. É uma pena dizer isso, mas é a verdade. Verdade esta que nós muitas vezes preferimos não recordar. Prometemos que “daqui pra frente, tudo vai ser diferente”, mas quando se tem trabalho, estudo, casa, família, cobranças, esquecemos de agendar o “daqui”.
Não me leve a mal, só escrevo isso porque cheguei a Março sem ser avisada. O ano ainda está começando, mas já deu para esquecer que este é outro ano. Lá por novembro, dezembro, entrarei no clima de crer no ano novo - de novo.